Thursday

era muito estranho baterem na porta do meu quarto àquela hora da madrugada. e claro que não raciocinava direito, não pensei nem no pior nem em outra alternativa.

eu ia pelo corredor sozinho apesar das vozes, claro. e nem sei por onde andava minha curiosidade. eu estava administrando a postura de quem sai do quarto alarmado sem perceber que está e sem querer demonstrar isso para não causar maior pânico.

ratos! mil deles! se fosse um só ou dois, eles cuidariam sozinhos. na verdade, eu não fui convocado no papel dereforço na guerra contra, mas apenas para receber o relato de como a situação está, discutir algum procedimento, mas mais do que tudo, para ser advertido como morador e cagão em potencial. provavemente, ficaríamos uns dias sem abrir a porta da varanda. quando alguém precisasse, que fosse acompanhado e com um tênis próprio para chutar um coletivo de roedores parasitas e asquerosos.

eu não veria muita coisa, logo voltaria para a cama com um assunto pesando na cabeça, mas ia dormir logo. seria uma praga? ou será que nós que vacilamos? deve ter ficado comida estragada lá fora esses dias - sabia que precisávamos fazer uma limpeza mais profunda lá fora - aliás, eu precisava dormir. essa era uma semana cansativa. muito sono, poucas horas de cama, muito trabalho, e a mulher num humor pouco amigável. estava sensível, desapontada com a minha insuficiente atenção e machucada por uma briga divisora de águas com seus pais fora a súplicas por clemência e perdão sem pé nem cabeça deles.

mesmo sem dicernir quem era, vi que um deles estava agachado fitando o chão como uma criança que quisesse mecher num formigueiro ou chupar as formigas para cagá-las depois. essa cena me confundiu. o clima era amigável, quieto, fraterno... porra, cadê os ratos?

não.

- é ele mesmo?
- é!
- porra nenhuma...

era legal da parte dos caras trazer um gato parecido com o téo. a lógica de "preencher buraco vaizio" foi aceita pelo meu sistema nervoso muito tranqüilamente desde a chegada da noala. e era legal também porque ela ia ter alguém pra brincar durante o dia.

- é ele, caralho!

tava preto. tava sujo e magro. enfim, era ele mesmo.

tá, é isso. agora é aceitar que aquela sensação de dor repentina, de falta de controle sobre as coisas que me cercavam, por mais que eu tenha percebido que fazia tudo na vida para fugir dela e que isso fosse um grande passo pra mim , um movimento de crescimento e tal... era tudo de plástico. era um sintoma de um momento, de um estado emocional. exatamente a mesma conclusão que a gente tem milhões de vezes ao longo da vida e o que nos torna mais medíocres do que sentimentais. enfim, é assim que as coisas são. se o gato estivesse morto (porque ele estava!) eu esqueceria muito bem, como já quase tinha acontecido. agora ele voltou. agora eu não sentia, ou melhor, eu não senti nada disso.

só fui conversar com o gato depois de dormindo. antes, é claro, paguei desigualmente algumas lágrimas desta sua volta ao quarto que me emprestou dois mares delas, e continua a me emprestar de tudo.

lá ele me contou quantas vezes morreu, o quanto ficou doente, o quanto comeu e o quanto passou fome. muito tempo havia se passado, muita coisa mudou. ele que fora atropelado, roubado, fugido por um triz, devorado por cães ou transformado em enfeite de mal gosto estava ali, voltando devagar. tomando cor.

magro. era ele. e a gente ia ter que rever um conceito pedagógico de liberdade...

1 Comments:

At December 13, 2006, Blogger Marcelo Fonseca said...

É meu amigo. O rei voltou, e nem estamos falando do senhor dos anéis, ou dos anais, hehehhe.
As noites especiais tem remelas e lágrimas nos olhos.

abraço.

 

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