Wednesday

os fatos superam as palavras. o tempo supera a linguagem.
ok, esta é a lição de casa. e qual a idéia superior por trás do obvio?
nenhuma. a erudição é nula, não tem.

se ficar adulto significa aceitar as coisas que não gostamos, assumir a imaturidade deveria facilitar a convivência com as dores. não das dores de todos os dias, das que são poucas mesmo; das quais a gente precisa ter crédito com deus para superar. tem coisa que impede a gente fechar os olhos à noite, que faz a gente explodir de respeito e amor pelos que já temos respeito e amor. essas coisas nos põem em lugares novos que ao mesmo tempo em que são os mais visitados por todos os que vêm antes de nós, também parece que ninguém reconhece as suas paredes e cores. são mais desconhecidos à medida que os visitamos - nós: homens, significa.

eu sinto necessidade de novos ares, de novos autores, de novas canções. mas eles precisam esperar até que me encontre melhor. não totalmente, mas um pouco mais do que é tocar nuvens de lágrimas ou pisar num colchão vazio. preciso tirar o pé do acelerador, sossegar. me encontrar na ausência, esperar... eu não quero o ermo, mas preciso de um tempo;

mas também não invejo figura nenhuma, acho que nem busco a minha própria. e é por isso que existe desafio nesse escapismo. existe a busca pelo novo, o que é natural, mas que o novo sejam os fatos, não as palavras; que novo seja o tempo, não os gritos.

Thursday

era muito estranho baterem na porta do meu quarto àquela hora da madrugada. e claro que não raciocinava direito, não pensei nem no pior nem em outra alternativa.

eu ia pelo corredor sozinho apesar das vozes, claro. e nem sei por onde andava minha curiosidade. eu estava administrando a postura de quem sai do quarto alarmado sem perceber que está e sem querer demonstrar isso para não causar maior pânico.

ratos! mil deles! se fosse um só ou dois, eles cuidariam sozinhos. na verdade, eu não fui convocado no papel dereforço na guerra contra, mas apenas para receber o relato de como a situação está, discutir algum procedimento, mas mais do que tudo, para ser advertido como morador e cagão em potencial. provavemente, ficaríamos uns dias sem abrir a porta da varanda. quando alguém precisasse, que fosse acompanhado e com um tênis próprio para chutar um coletivo de roedores parasitas e asquerosos.

eu não veria muita coisa, logo voltaria para a cama com um assunto pesando na cabeça, mas ia dormir logo. seria uma praga? ou será que nós que vacilamos? deve ter ficado comida estragada lá fora esses dias - sabia que precisávamos fazer uma limpeza mais profunda lá fora - aliás, eu precisava dormir. essa era uma semana cansativa. muito sono, poucas horas de cama, muito trabalho, e a mulher num humor pouco amigável. estava sensível, desapontada com a minha insuficiente atenção e machucada por uma briga divisora de águas com seus pais fora a súplicas por clemência e perdão sem pé nem cabeça deles.

mesmo sem dicernir quem era, vi que um deles estava agachado fitando o chão como uma criança que quisesse mecher num formigueiro ou chupar as formigas para cagá-las depois. essa cena me confundiu. o clima era amigável, quieto, fraterno... porra, cadê os ratos?

não.

- é ele mesmo?
- é!
- porra nenhuma...

era legal da parte dos caras trazer um gato parecido com o téo. a lógica de "preencher buraco vaizio" foi aceita pelo meu sistema nervoso muito tranqüilamente desde a chegada da noala. e era legal também porque ela ia ter alguém pra brincar durante o dia.

- é ele, caralho!

tava preto. tava sujo e magro. enfim, era ele mesmo.

tá, é isso. agora é aceitar que aquela sensação de dor repentina, de falta de controle sobre as coisas que me cercavam, por mais que eu tenha percebido que fazia tudo na vida para fugir dela e que isso fosse um grande passo pra mim , um movimento de crescimento e tal... era tudo de plástico. era um sintoma de um momento, de um estado emocional. exatamente a mesma conclusão que a gente tem milhões de vezes ao longo da vida e o que nos torna mais medíocres do que sentimentais. enfim, é assim que as coisas são. se o gato estivesse morto (porque ele estava!) eu esqueceria muito bem, como já quase tinha acontecido. agora ele voltou. agora eu não sentia, ou melhor, eu não senti nada disso.

só fui conversar com o gato depois de dormindo. antes, é claro, paguei desigualmente algumas lágrimas desta sua volta ao quarto que me emprestou dois mares delas, e continua a me emprestar de tudo.

lá ele me contou quantas vezes morreu, o quanto ficou doente, o quanto comeu e o quanto passou fome. muito tempo havia se passado, muita coisa mudou. ele que fora atropelado, roubado, fugido por um triz, devorado por cães ou transformado em enfeite de mal gosto estava ali, voltando devagar. tomando cor.

magro. era ele. e a gente ia ter que rever um conceito pedagógico de liberdade...

Sunday

limpando o salão das significações. cada canto, cada póro do chão, cada pedaço do ar. abrir o espaço para a purificação, para a palavra limpa, real. eis o ofício
porque a crosta da fala, o olhar atravessado e preguiçoso...
o final das reações! este é o sinal! isso mostra como o meu olhar é cheio de chuviscos, meu ouvido cheio de zumbidos, minha perpção distorcida. tenso. o medo do errado antes de errar. e por isso , errante. é a minha roda da morte girando sobre minha cabeça e dentro das minhas veias. eu borbulho o tempo todo. quero ser e fazer tudo em fração de segundos. quero falar e parecer eloqüente e atencioso ao mesmo tempo. prestar atenção na minha voz, na reação do ouvinte e na minha própria; nas minhas mãos, nos meus olhos, nos meus lábios, no cigarro, no copo ou prato, nos pés. tudo no mesmo segundo.
que desse mundo eu erdei neurose. e não pouca.

tsssssssssssssss!

mascando bolas de tinta, cá estou! olhem que sábado alegre o desse homem, ele certamente começará a pular e a correr atrás de si mesmo feito uma serpente em transe!
olhem a anaconda sedenta por felicidade, como ela encontra a si mesma no próprio rabo!

que tipo de sinfonia alegra tal coração? não esses acordes trítonos em aço, com certeza! lá já se viu? acorda, bicho! acorda e vai reclamar à fábrica tanta sensibilidade. vai arcar com o defeito numa oficina de garantia dirigida por contrabandistas sulcoreanos - a nação mais isolada do mundo!, isolada de quê, caralhos?! - que eles trocam suas tripas por outras mais baratas. sim, senhor, vão revender seu interior e rir de como ficou satisfeito com a novidade que agora te compõe. isso, babaca. sorria. sorria como uma cobra morta! porque choraria?

agora ele anda. come ratos, pássaros mortos ou que voam baixo, grilos, moscas, baratas, larvas, terra, ovas, bosta, tudo! e quer mais. mas ele olha pra trás e nada há senão as grandes árvores. então escolhe uma delas, a maior, e sobe ao seu topo. é uma escalada e tanto! começa por desfiar seus galhos em verde claro, os ninhos que os habitam, os ovos, as folhas e percevejos. no ponto mais alto do caule, uma membrana de madeira podre. um detalhe que passa pelo paladar como um machucado na banana suculenta . frutos mesmo não há. senão a satisfação da gula, nenhuma nutrição. nada nunca fora perfeito, também...

e vai seiva, e a parte mais grossa do pau chega à sua boca e ele come, como se nada fosse capaz de aumentar a dificuldade para sua incrível saliva tóxica! come, qual cobra do deserto, cada fiapo de vida, de subsistência ou germe de criação, pré-organismos. utopia, amor, sorte, mães, filhos, formigueiros, beija-flores, camaleões, darwin e a sobrevivência, súplicas, fés, deuses, mulheres, ossos, detritos, água, pegadas, laços todos. até que explode!

sim, explode! como um bebê que caga nas fraldas ele mancha trinta anos de terra ao seu redor. agora a felicidade se foi e também a tristeza. só há ele, meia dúzia de pernilongos embaixo da mesa e o rei jaz deitado adormecido no sofá. ele explode e só o que resta é a fome, a avareza, o medo da morte pela escassez, o intervalo, o vão, o nada, a folha em branco.

a fome!

Monday

aqui não gênio

cheguei a imaginar que o bom é que as coisas fluam, e isso é complexo, porque indica nossa grandeza, sabem? mais do que ter idéia, temos que perdurar um ritmo, um trabalho, uma geração. é aqui que a vida é mais difícil.
quando chegar a hora, eles dizem. quando as coisas mudarem, ela. quando o dinheiro sobrar, nós. mais do que depois, é esperar o agora passar. não adianta ser imediatista nem para ter paciência. tem que ser sempre. entendem?
vejo então um grão e um pedaço de terra. e nada. o que deveria ter? desejar uma árvore é não saber esperá-la, eu sei. mas sei que esperar é viver o hoje, ainda mais impacientemente. ter calma é ser o ambicioso que se permite a um mortal.

-é difícil, deus.
-chore no intervalo, filho, estou aqui.

a concordância é punição, percebem? espero ouvir contrário, quem não esperaria? mas o tempo não responde, faz com que eu o busque, só. eu sei: paciência, ele chega. ou: esquecer, por hora.

não tem problema, pegarei o próximo ônibus para são paulo, o tempo está agradável e o cigarro é bom, apesar de caro. uma garota fica à minha frente mas não conhece o meu passado, não se assemelha a ninguém. pega um ônibus e eu outro, não sei qual, mas é bom esse capítulo. quero ver o que acontece quando ele sair do teatro.

à minha frente, os evangélicos ganham adeptos graças à ignorância em relação ao grego da população viciada - viciada em cocaína ou pinga, não em laranja ou trabalho, isso nunca! - uma das línguas sagradas. não são completamente santos os que não a conhecem! saindo do teatro eu subo na primeira van e, deus, que motorista agradável, exceto por ter apagado a luz enquanto lia sobre anastasia. tudo bem, o caminho é longo e fui eu quem escolhi gastar uma hora e meia a mais para ir para casa. ela vai odiar o presente, a iniciativa mediana, o medo de mim mesmo... embora entenda e seja solidária, o que tenho certeza e exatamente o que torna as coisas piores. cada vez mais eu incapaz e ela dona de tudo. que faça bom gerenciamento de mim. apesar de tudo, ainda estou calmo...

o coitado trabalha doze horas por dia e disse algo sobre um trajeto de duas horas. acho que é isso, por um instante achei que ele dissera cinco. mas acho que realmente são cinco viagens de duas horas. o que não deixa de ser triste, perdendo apenas para quaenta trajetos de quinze minutos. isso sim é massacrante! por isso gostei do sujeito, um homem com ódio de se expôr ao mesmo trajeto a vida inteira em poucos anos. queria ter sido seu filho algum dia, só para trabalhar perto de casa, que fosse. ir de carro ao trabalho para ficar o dia inteiro num ônibus... cada uma que o trabalho assalariado arruma pra gente...

adeus e bom descanso! deixo o veículo pensando que deveria ter feito tudo diferente. colhões, pequeno. colhões. eu aprendo, diz o tempo. mas não sei se quero esperar, é difícil essa coisa de esperar...

Sunday

solo

em me aventurando a falar de baboseiras como os elementos da natureza e a identificação com eles, eu escolheria a terra. sinto uma identificação com tudo o que se refere a ela. tudo em relação a uma poeira natural, a uma demonstração do mais concreto e comum amontoado de matéria que as civilizações colecionaram gratuitamente. às pegadas de ancestrais, ao sofrimento que escorre pelas suas pernas em forma de lágrimas, fezes ou suor. o que alcançamos, conquistamos, tomamos como nosso. do resto somos escravos. dependemos de uma verdadeira atitude de boa vontade dos deuses para convivermos em tranqüilidade com nosso próprio organismo. em contra-partida, sinto que sou um pouco a terra. sinto que sou um pouco lama e pedra. não ar e distração. não fogo e destruição. nem água e inalcance. sou eterno. sou pai e filho. sou aqui e lá. sou agora e depois, sob defuntos ou não.
ao andar, quero ver-me em todo canto. quero encravar no meu peito a cruz de cristo e estar acima dele mil anos depois. quero engolir minas terrestres e atenuar seu poderio de fogo sob meus braços. salvar o oriente com minhas entranhas, fazendo meus órgãos se abrirem separando os núcleos de nações intransigentes. vou estender os oceanos acima dos meus olhos e respirar através dos vulcões no taiti. quando cansar, me levanto em qualquer parte do japão e descanso sob a savana da áfrica. sempre limpo e seco. a maior parte de tempo emocionado, represento o total ante o resto da galáxia. a vida de verdade. a comunhão entre a fauna e a flora dentro do meu estômago. tudo, a bem dizer.

Thursday

sob o monumento

quando ela senta no meu colo me vem à cabeça os possíveis contornos dos rostos de cada paspalho que já passou pela sua vida. é um trabalho divertido personificar esse tipo de sujeito insolente e medroso que já tentou mergulhar nesses braços. automaticamente me sinto melhor que eles, o que é óbvio. mas o que me faz melhor não é nada além da minha vontade de construção. da permissão que concedo a mim mesmo de me envolver com o que parece maior que as minhas próprias forças e de dar a essa mulher um pouco mais do mundo. que eu sou pelo menos um horizonte mais amplo do que seus pais medrosos e avarentos, seus tios materialistas, suas tias frígidas e seus amigos infanto-bichas-camufladas. aqui, sobre os contornos do meu corpo, ela tem contato com uma verdade. ela tem contato com algo que pode manejar livremente, como o seu destino tem que ser. ao beijar-me ela sente o gosto que preenche as expectativas de doçura e da firmeza do seu paladar. meu rosto têm o acalento que ela precisou quando era menina e que pode levar pra qualquer lugar, até àquele peito dolorido quando ela precisa. em mim ela dorme porque eu a zelo. sou seu protetor contra um mundo que acha que sabe das coisas e que a pode machucar por isso.
aqui, querida, não chore.
deixe-me beijá-la e engolir essas lágrimas, me deixa comer seu estômago ansioso, enfiar minhas mãos na sua garganta sangrenta e limpá-la como um operário dedicado faz a um esgoto assassino. aqui, querida, olhe pra mim: tudo é uma lente convexa do que queremos que seja. olhe primeiro pra mim, depois pro resto. eu vou te aquecer.
ela se deita sobre a minha cabeça e eu penso em como sou grato por aqueles bastardos terem beliscado a sua felicidade. obrigado, imbecis! obrigado por deixarem o pedaço grande deste coração intacto. se não fosse pelo potencial que tinham, cabeças-de-bagre, provavelmente ela teria iluminado um de vocês e os guardado sob algum segredo eterno e indecifrável. teria transformado ao menos um em alguém melhor e o teria agarrado pra sempre por pura clemência, pura compaixão e paciência. se não fosse pelo excesso de idiotia dessa legião, ela estaria aprovada aos olhos de deus, de buda, de alá, de hitler, platão e aristóteles e descartes e dos pais e dos vizinhos e dos descrentes. vocês vão morrer como merecem: sem o traço de iluminação desse anjo de luz aqui, no meu colo. eu sou grato a vocês e só a vocês. porque a vida ainda não me julga merecedor de um presente assim. mas vocês me deram essa chance. sou eternamente grato a vocês e não lhes dou mais que o meu desprezo em troca.

obrigado

quando meu estômago está podre, ou acabo de vomitar, ou quando sinto dor de cabeça, ou quando tudo vem junto, minha capacidade de organizar as idéias fica umas dez vezes mais aguçada que o normal. minha criatividade, minha receptividade, minha calma pra analisar e o processamento dessas informações fica como eu queria que fossem o tempo todo.
acredito no poder do mal-estar. acho que somos fadados a ter o rabo estourado enquanto sentamos confortavelmente em algum lugar. temos que nadar num rio de cobras para refrescar nossa pele.
aceitar que tudo é necessário é o princípio da responsabilidade. é reconhecer, ao mesmo tempo e progressivamente, seus poderes e limitações.
não porque exista um lado ruim e um lado bom nas coisas, mas porque elas em si se entrelaçam na miséria de existirem e serem só coisas. é a condição humana que vê o que é bom e o que não é. e vemos com olhos humanos, falhos, respiramos com pulmões de engenheiros de chaminés tóxicas, apalpamos com mãos leprosas e lambemos o que deus cagou em cima porque é o melhor que temos. e isso não é ruim porquê simplemente não conhecemos nada melhor.

por isso que um verdadeiro homem é aquele que acorda todos os dias, limpa a remela dos olhos e diz: "nada mudou. sou o mesmo e hoje serei forte como amanhã, mais do que ontém". chore e chorará sozinho. sim, sozinho, porque todo mundo tem mais o que fazer, amigo. todo mundo tem que achar um buraco onde enfiar dinheiro, todo mundo tem que tirar o arroz do fogo porque, senão, as coisas desmontam. e você não vai agüentar o tranco. nenhum par de pernas feitas só de infância suporta o peso de um mundo bêbado. ninguém sequer consegue embriagá-lo tanto assim. não há absinto no mundo para o próprio mundo. e sabe porquê? porque tudo o que é equivalente é igualmente irreal. porque a noção da totalidade é imperfeição. porque é assim que tem que ser. e vai. porque se as coisas fossem perfeitas, como nos meus e nos seus sonhos, eles não seriam sonhos e nós, nós.